domingo, 13 de setembro de 2009

Uma conversa banal enevoa ardente
numa esplanada um pouco diferente
sui generis o seu nome, e a ironia na paisagem

Carlos Diamante, dono de seu triunfante
destino aperta os dois pulsos numa contemplação,
se me permitem descrever, orgásmica corrente
em plenos olhos dormentes
de tanto ougar aquele objecto rolante

Nunca entendi a fervura do homem pelo futebol
talvez pela bola ser curva
e o nosso corpo estar relacionado a formas redondas
ao contrario do quadrado relacionado ao molde masculino
adverso ao nosso corpo violino

Mas nem tudo os centra para nós
as mulheres são tolas em acreditarem ser o imo
Se somos o portal para o divino
onde a chave se encontra em suas gadanhas

Falo então sobre a telenovela de segunda
do actor primacial que é tão bom
da actriz que não é bonita como deve de ser
e do pai, o núcleo de todo o emaranharão
que vai alimentar 150 serões de mexerilhão!

Carla Fólícia, funcionária publica há 5 anos
queixa-se-me de falta de simpatia da parte do patrão
de como ele a deixa louca, pela simples lei do desprezo
dos jogos de cintura
da incerteza que lhe paira, "- Uma névoa incandescente! Maria Lua!"
oh sim...como se não soubesse que são fantasias
apenas ficções de um capricho, a necessidade tamanha de sentir amor
nem que seja ilusão do fervor.
Inconscientemente as pessoas procuram-na
preferindo viver no limbo,
na constante preseguição
da terráquea consciência.

Catarina Miranda

quarta-feira, 12 de agosto de 2009

Centro do labirinto

"Possivelmente, o amor continua a chamar-nos do centro do labirinto e nós andamos às voltas sem sermos capazes de o encontrar. Porque o labirinto não é um jogo: é a defesa mágica dum centro, duma significação, e talvez seja necessário despojarmo-nos de muitas coisas e tornar a vestir as vestes da inocência para que o amor nos possa ser revelado (...)"
" Diz a sabedoria tântrica que toda a mulher nua incarna a Natureza - a Prakriti - Natureza-Mãe que é necessário solarizar para que a junção do Sol e da Lua regresse ao estado primordial de indiferenciação. Não se trata da dualidade, mas de, com a ajuda da mulher, despertarmos a mulher adormecida que temos dentro de nós.
Porque nós não nos pomos no lugar do outro: temos é que descobrir o que o outro acorda em nós."

in Riso de Deus, de António Alçada Baptista (1994)

domingo, 21 de junho de 2009

Ventura

Andei pelas quebradas abismais
Em busca dessa argila que era eu,
Mas nada consegui do que foi meu
Nem vi, sequer, o rasto dos meus ais!

Voltei às convivências espectrais
Da sombra em que o meu ser se converteu
E o sonho que vivi perto do céu
Perdeu-se como as folhas outonais!

Talvez exista ainda na lonjura
A catedral imensa da ventura
Firmando o pedestal do meu desejo…

Talvez exista, sim, quem sabe lá?
Mas onde procurá-la? – Onde está?
Se eu vivo dentro dela e não a vejo?!

Alberto Miranda, Musa incerta (1957)

domingo, 7 de junho de 2009

Trapos da Viagem

Como suas mãos são leves de vento
de tão pesadamente seu coração bater
o meu cabelo emana da minha ternura
e é, então, a combustão que vê dele suster
Somos compassos, senhor, somos a morte vivendo de amor
em cada fagulha planto-lhe cores das ilustres viventes de nosso jardim
as minhas saias emaranham-se no rosal
e voltam às mãos de majestoso meu rei as pétalas apresadas,
porque me prende em seus braços a cada poiso de suas asas
e tudo o que lhe posso oferecer
além de mi alma
trazem os meus trapos da viagem

Nascer

Adormento no meu regaço,
encerro os portões das estrelas.
Que ninguém venha! Pois prontos estão os areais!
A orbita transporta o teu sopro na direcção
minha respiração.
Os veludos encaixam-se em concha
numa atroada propagadora de sonância.
Lá dentro a fecundação,
alvéolo sedento de luz,
ser infinito baqueando contra o tempo.
Ruge, ruge, a vida dentro do silêncio,
mia...
O oceano grita de prazer...

Emerjo.

terça-feira, 26 de maio de 2009

Sol

Já quase me fazia esquecer quanto o sol é cálido
quanta atmosfera circunda o corpo enquanto ele caminha
quanto quente é a pele que abate o gelo dos dias desprovidos de espaço
e amanheço num anoitecer
adormeço rodeada de querença
fonte infinita
o amor não morre
como o nevar derrete.

domingo, 24 de maio de 2009

O cavaleiro

Um cavalo e um homem
por entre as noites siderais
"em frente, em frente, corcel!
em manhã se não fosse minha vontade de chegar!"
"que a lua parte a meu lado".
"Já não há tempo para sentir medo, fossem parvas as hostes que me esperam" "galopa, galopa, antes fosses outro cavalo sem a mesma sorte de me ter sido enviado nesta missão de amanhecer." "Somos nós, cavalo de fauna, que abrimos as portas ao céu, estão todos à nossa espera" "mas a espera não é se não sendo agora" "agora é dia, onde estamos, o dia para nós é aqui, corremos, gentil Corcel, mas não somos mais que uma imagem asfixiada pelo tempo. "Multi somos, daqui a li em horizontal parados".
De longe a terra gira e o cavaleiro está montado numa passadeira rolante. Trazem o dia e o tempo que nunca existiu.

quarta-feira, 6 de maio de 2009

Desnudo

Su cuerpo resonaba en el espejo
vertebrado en imágenes distantes:
uno y múltiple, espeso, de reflejo
reverso ahora de inmediato antes.

Entraba de anterior huida al dejo
de sí mismo, en retornos palpitantes,
retenido, disperso, al entrecejo
de dos voces, dos ojos, dos instantes.

Toda su ausencia estaba -en su presencia-
dilatada hasta el próximo asidero
del comienzo inminente de otra ausencia:

rumbo intacto de espacio sin sendero
al inmóvil azar de su querencia
¡estatua de su cuerpo venidero!

MARIANO BRULL ( Cuba, 1891 - 1956 )

sexta-feira, 1 de maio de 2009

Plim!

(Não está Sol
nem tão pouco chuva
Jaz a poeira
vive de verde)
eu perco-me nos horários das estações
eu chego sempre a tempo e horas a lugar nenhum
não sou o vento
não sou a chuva
sou.
E ao mesmo tempo nunca serei
aquilo que não desejo ser.
(Ponho a hipótese de lado
de uma antanáclase)

"Boa tarde, pode-me dizer a que horas passa o Antacláudio por ai?"

"Passa, já, agora, que já passou"

"Ora muito obrigada, diga-lhe que o vi passar"

quarta-feira, 29 de abril de 2009

Chinesas

Encazinei-me deliberadamente, peguei na chinesa e arremeaçeia-a ao lixo
onde já se viu tamanha consumissão!
Proíbo toda a gente da casa! Que se desenrolem e desandem.
Meto os netos lá para trás, a mãe fica em casa e eu vou ao lado do meu cunhado.
Jamais levaria o carro.
Porque nunca me dei bem com chinesas.
Na verdade elas é que nunca se deram bem comigo.
Tenho 57 anos e nunca precisei delas para nada!
Inevitávelmente elas nunca precisaram de mim também.
As seguintes gerações olham-me como uma infértil tecnologica, ou se melhor, uma frustrada oriental. Na verdade admito-o, com franqueza, mas se estes canalhas olhassem para o que se perde aqui fora...


terça-feira, 21 de abril de 2009

Trapezista

"Depois de cabriolas, cambalhotas e piruetas, eu, Amadeu o trapezista, volto finalmente a Arganda del Rey. Julgavam-me morto e eu também. Conheço pessoas que escrevem sobre mim, contam imensas histórias à volta dos trapos encravados no fecho das malas de viagem que invadem a vila de solstício a equinócio, dos sapatos que pendulam pelo cordão e abanam na minha andança, dos saltos de trapézio em trapézio que afligiram a doença cardíaca da Dona Filomena dos Anjos, a ex ministra da cultura de Valência pois acabou por falecer nesse mesmo instante. Desde aí e desde sempre, o amor/ódio à volta do público participante e não participante tomou conta de mim. Nos balanços olhava nos olhos o pânico daqueles seres de sombra e o brilho nas crianças da frente chocando com os focos de cores. Era na minha performance que ele mais silencioso ficava, os tambores eram os corações, e as palmas os meus pés de volta à barra. O ranger dos meus músculos ao agarrar as suspensões, a espinha distendendo o corpo até à ponta do meus ossos, adrenalina se olho para baixo e para os seus rostos, deixo-me cair, só para sentir a multidão estremecer, renascendo de novo ao topo dos céus!
A cada espectáculo a esquizofrenia foi domesticando-me, sentia-me um leão a dançar ao riso demoníaco do domador, procurava na plateia cada cabelo em pé, cada grão de pele arrepiada, cada susto, as palmas, os olhos esbugalhados, a córnea por lubrificar...mas o riso não vinha do meu número de circo, nunca. Pois nunca esteve destinado. Vingava-me nos duplos saltos mortais, frenéticos, eles queriam parar-me com o olhar, com os punhos, com os dentes serrados de medo, eram eles que estavam ali. Era o público que balançava comigo. Identificavam-se com a minha doença e histeria. Até que a minha arte começava a incomodá-los, as pessoas já não me fitavam, não queriam ouvir-me, aquele espelho pendente mostrava-lhes o mais sombrio de cada um. E obviamente abandonaram a tenda no meu último salto.
Vicente, mais do que o meu patrão, um pai e amigo, olhou-me de cabisbaixo, e ambos concordámos que era altura de voltar, nem que por férias, ao meu habitat longe do nómada.
Agora de pés em terra de minha mãe, vejo finalmente risos da minha chegada, o pôr-de-sol chega sempre para nos ver...Isabel, santa Deusa lhe abençoe que me espera a cada estação do ano, volto hoje na sua predilecta, onde a cada volta terrestre ao sol vejo-a mais uma vez de novo regando as flores, desta vez há tulipas vermelhas, amarelas e aquele cabelo espirando em seu redor move-lhe o pequeno rosto em direcção ao meu. Se vós a vísseis de flores na mão, imóvel, quieta à espera do meu corpo...eu sou o trapezista do mar despedaçando-me contra a rocha."

domingo, 12 de abril de 2009

Arquitectura de Luz

Torneio-te nesse mesmo espaço onde te encontras
e ah olha-me pois fito os teus olhos nos meus e respiro
debilmente respiro em influídos
enquadrados em compassos pesados
que o tempo baixará a frequência
E se te peço que arquitectes à tua volta,
sem desconectares a coligação pupilar,
o cheiro a carmesim, o chão engolindo as paredes
o tecto a desabar slowmotion
em sentido contrário da gravidade
a manhã entra-te pelos cabelos abaixo
irradia-te por fora
e eu por dentro
E mais!
Se eu te pedir que urdas
que prevejas o teu naufrágio em mim
traçarás a épica utopia.

Nós cantamos bem alto nos céus
tão que bem alto que não chega aos terráqueos
muito menos aos submundos do inferno
a nossa voz dispersa-se no Paraíso.

Eu, parceiro de luz, sou o que o teu beijo me fez ser
Criatura infinita vivente inquieta por te ver.

Catherine de Miranda

terça-feira, 7 de abril de 2009

magnanimidade

Emudeço, sentilando açucenas ao piano. Cantando "sim, o vento embala-me assim", shimuando, onomatopiando, e só o meu gato lhes respinga tirinando. Embora relance para trás, o olhar e o som. Que voa. Numa Luz rainha.
Se posso ver-te se me fecho nos olhos, se posso. Porque sinto que devo.
Levo-me com som, dentro do campo etéreo debaixo das pálpebras, a secreta passagem intemporal, a única extensão espacial onde adejamos.

quarta-feira, 25 de março de 2009

No Moon

Ao círculo de vácuo
pendulo ondulando
procurando-te em terra
saindo do mar.
Desembrulho os fios dos meus cabelos
com as pontas dos meus dedos
libertando-os da poeira das estrelas
pois que em breve o teu ar domará este fogo
que desliza a fervilhar pela espádua abaixo
Sem luar ele não descansa
a luz não o apazigua como brasas
e o meu espírito não resfolega.
Então, meu amor, vim por este meio
pedir-te permissão para me diluir em ti
nos meus sonhos de olhos encetados
em que por breves momentos me alimentarei do teu gracioso ar
mesmo que ilusório, os estímulos chegarão ao corpo
e às pontas das minhas chamas.

terça-feira, 24 de março de 2009

Dona Idalina



A típica idosa transmontana usa o cabelo branco num polpo e as vestes de luto em memória do seu falecido esposo. Não é de certo uma bênção perdurar em terra mais anos que o seu homem, é uma dor quase pré-histórica e ancestral.
Vem das cavernas, do mar, das guerras, da morte. A dor de quem espera. E consegue-se ver nos olhos da Dona Idalina, azuis profundo céu, com mais memórias do que as águas podem transportar, pois transbordam, que observei-a olhando para atrás de rosto no tecto da casa, contando-me as saudades, lamentando-se de como é atroz a solidão. Se pelo menos a dona Idalina soube-se voar...ali tão perto da senhora paisagem duriense, aqueles vales marítimos, as camas do rio. Ah...mas não.
Ao Sol pude contemplar as suas loiras pestanas, não me contendo perguntei se outrora tinha sido russa, "oh sim! eu e os meus 6 irmãos éramos todos russinhos, de cabelos crespos e riços" as suas bochechas saltitaram, tão vivas de sorriso, que presenciei, não uma idosa de 84 anos, mas sim uma criança aprisionada dentro de um corpo miúdo, corcovado, mais pequeno do que o seu espírito e maior do que a sua infância. Ah se a Dona Idalina soubesse voar...
O seu tom de voz era a todo o tempo depreciativo, terminava na nota abaixo da do começo, como um lamurio, ou talvez um choro, enternecendo qualquer ser sensível na vontade de a fazer ver o mundo mais de perto, reconfortar as suas mágoas naquele horizonte, despir-lhe as vestes negras, soltar-lhe o cabelo, o sorriso, e ver aqueles olhos cheios de amor para dar explodindo no céu.

Ah...se a dona Idalina souber voar.

sábado, 21 de março de 2009

De tanto amar
as nuvens encarceraram-me da luz
do vento
                 do som
e ao som
                  te vejo de novo ao longe
e ao longe
                  ao longe
traz-me de volta, ancestral
em que de nada o coração morria
sorria
caminhante de serranias,
presta tento à semente luz
vira-te, na primeira esquina à escuridão
cega-te, que a vida prioresa cura,
três à frente, a paixão
nega-lhe o cigarro
funde-te a meu lado se chegaste
                  e se chegaste
descansa
que o mundo te encarcerá da luz
já que,            ela,          respira dentro de ti.

quinta-feira, 19 de março de 2009

Radio Spring


Sim, que é de Primavera em mim
os átomos polinizados
soam a rádio de campo
e o encanto
se nos teus olhos há quem chame as flores
as mais íntimas boninas colorescentes.

segunda-feira, 16 de março de 2009

Quote

'Cause i love the peace of this man:

"A maior covardia de um homem é despertar o amor de uma mulher sem ter a intenção de amá-la."

Bob Marley

domingo, 15 de março de 2009

Contígua margem

Contígua margem,
voam-se os meus olhos ao ponto fuga da perspectiva.
Quentes, os meus pés em terra
frios os meus cabelos no mar.
Ao meu ventre se desfaz o adeus
às minhas expressões o teu advento
e ao vento,
meu alento,
venho chamar-te, embora invertida,
que me deito para o céu esta noite.
A meio da nostalgia e nas águas
espalho o meu coração
Ora imenso,
vermelho sanguinolento flutuando com a sua duçura
te encontrará.
Ah...
E haverá o dia em que da Lua ele se faça
inteiro teu, crescendo e morrendo
ao sabor do Sol.

terça-feira, 10 de março de 2009

Oiseau Rouge


Chante, chante mon oiseau
que tu as les yeaux immense d'amour.
Rouge, rouge et votre bic est d'or.
J'évanouie dans votre jardin
et j'ai trouvé ma enchanté cerisier!

Catarina Miranda

segunda-feira, 9 de março de 2009

Cerejeira

Há cerejas no meu quintal,
aquelas esféricas recheadas do sulco ardente refulgente
que no bico se consome, alquebrando-me os restantes sentidos.
E ali fico, edificada ao lado do mastro,
mãe das obesas de 10 centímetros,
que petrificada, olhando-me lá do alto,
pergunta-se se me deu prazer.
Ora ainda de vista cerrada, gozo o gosto,
e fico calada que nem me mexo,
além dos movimentos giratórios das papilas gustativas em êxtase.
Talvez se engolisse, agora mesmo, a cerejeira arreliava-se
e consequentemente não daria fruto
tão igualmente magnífico, como este mesmo, durante muitas décadas!
Não! Talvez séculos! E mesmo depois, morta,
assombraria as outras cerejeiras em seu redor, oh!
E há alma aqui? Há pois!
Nunca conheci ser nenhum que sem alma me desse tamanho alvoroço,
e mesmo que fosse uma efémera sensação de algo,
pois se algo me faz sentir, esse algo também portaria vida!
E a vida tem alma.

sexta-feira, 6 de março de 2009



Há dias em que o meu corpo veste-se de anil
a minha cabeça deita-se acompanhando a curvatura do tronco
numa dança serpenteada cedendo.
Vejo o meu olhar no reflexo do vidro entre mim e a paisagem
e a cortina esvoaça sem haver vento
maneia-se com o teu expirar
vulto branco contrastantes laranjas ao som azul
que na minha face, esbate em escarlate.
Há vida aqui e lá fora, amor.
Ah...
Dos teus dedos à tua pele
sinto faíscas aspirando o mar,
que me respiram. E eu,
que da razão faço coração, diluo-me em ti.

quarta-feira, 4 de março de 2009

Paisagem Emocional

Contavam-me os ventos aos meus lábios histórias de longe,
das terras de ninguém e num sopro expirei Íris, que dos seus ombros inclinados às águas de Shannon saboreava brandando a sede.
Elevando-se, visualizei o seu tronco esbelto, rodeado de trajes Outonais, rimando com os seus olhos mel, fixados, num transe, no ansioso horizonte.
Do outro lado da sua margem, no verde fusco, Coran respondia-lhe numa prosa mental e telepática. Vendo de onde me encontro, flutuando, decifro os seus olhos como dois circulos imensos e profundos negros que no centro da distância, a meio rio, colidem festivais de cor transcendente e orgásmico.
As duas figuras ficam imóveis durante tempos, apenas os cabelos se movem ondulando no crepúsculo. As cores do céu fecham-se e abraçam-se, diluem-se. A cada morte do Sol, os rubores são destintivamente diferentes a cada dia, e nesse dia...oh nesse dia, aquele amor ascético mental atinguiu o auge, vi vultos abandonando os seus olhos para esbater na mais raia amanhecer, já não havia flúmen nem pasto, os corpos jaziam sob o céu celeste aos tons púrpura anil que deixavam brilhar já os astros que os ascendem. Só eu vira tal romaria, e talvez quem visse não acreditaria, pois sempre soube distinguir a paisagem duma efémera paisagem emocional.
"Enquanto a luz chuvisca, fico atenta às cores que desvanecem no horizonte. Resplandecente o teu corpo evaporado no cerúleo abrasam-me os cabelos"

Catarina Miranda

segunda-feira, 2 de março de 2009

Som

"Há transporte no som,
em cada particula atómica,
ventanias frequênciais.
Moves-te, como faro,
sem cogitar, e de facto
finalmente te encontras."


Catarina Miranda

quinta-feira, 26 de fevereiro de 2009

Tempo

Contou-me um dia um ser
que a vida não é longa
nem tão pouco curta,
é rio e fonte,
intemporais flúmens
onde o teu corpo se banha
quando o teu espírito desperta.

O tempo, disse o ser,
o tempo é intempo,
ele não corre consoante o teu compasso.
Tempo é um Deus que tu, mortal, vais criando
e adaptando às leis que ele em ti grita.
Mas há o coração e afinidades imensas,
pois ele é o quadrado de uma maquineta a pilhas do mundo
e tu circulo pensante, emocional e errante.

Pode algum dia o Homem desinçar um dos seus filhos,
que aos seus olhos é perdição, morrendo com ele?

Catarina Miranda

terça-feira, 24 de fevereiro de 2009

Lua Nova,
enchente em mim inova.
Negrume,
fácil é a vida que dali morre;

e aflui;

Astenia que de mim ri,
Cansaço, e hidropisia
vem, e abate
parte, e ele renasce.

Ah devagarinho...espreitando-me,
nasce brotando luz,
pois eu emerjo do fundo do oceano,
à película ardente,
ondulando freneticamente
aos coriscos, meu rei-sol.

Catarina Miranda

segunda-feira, 16 de fevereiro de 2009

75º à esquerda

Ao desviar da catadura
mexem-se os gomos de luz
em direcção do índigo
75º à direita
o que me leva à esquerda
na minha profunda dislexia.

Vejo-te,
idílios florescentes
saltam asas no vulcão
rompem-se atonias em valentes alardagens.
Mas em tua direcção há silêncio
como um raio trespassando a horda
túnel imenso na nossa directriz
que ao centro é flama.
Lá fora brandam aos deuses
os desassossegados desassossegando o nosso olhar,
numa gradação descendente sem sina,
mas não o coração.

Catarina Miranda

quinta-feira, 12 de fevereiro de 2009



Parcialmente imune
Parece-me que vivo há séculos
Num castro debaixo de girassóis.

Ao sótão uma ventana, frincha de luz
que me fecha os olhos ao milagre de prazer.
E só eu a conheço, só eu a conheço.

Lá em baixo gemem os meus trapos
ao gigante homem púrpura raivoso
esmaga, monocromatiza, dilapida as cores que tento plantar.
E a criança que em mim habita compreende
que de água-pranto somos feitas
e a flama que em baixo povoa
nem a extingue nem a aquieta,
então balançamos entre o viridário e o abismo
Entre a frecha e a cave.
Água e Fogo.

Ouço os seus passos pesados durante a noite
não há calma debaixo do vergel
E quando a lua não reina a fenda
a sombra deplora-se em meus braços.
Ele não chora, oh ele não chora.
E só eu o conheço.

(Shhh, dorme que eu respiro, pequena.
Delicado e leviano é o teu corpo
que repousa serenamente debaixo do empíreo,
sei que sabes o que te espera,
o oráculo que em arco-íris brota do teu pensamento.
És espelho sendo água
e nada podes esperar de um fauno em chamas.
Mas os teus pés são vento
e o teu peito um escudo bélico.
Sobrevives dentro do lar que dentro criaste
e o amor, esse, é o que preenche quem de leve entrar.
Lá fora, reina a friagem e os calafrios da viajem
pois ninguém entra, ninguém entra.)

Catarina Miranda

domingo, 8 de fevereiro de 2009

Existindo vivendo

Lembro-me das vagas de frio, das cinzentas acastanhadas no teu rosto, aquele aperto no teu peito, aquele desaperto que em leito
pendeu
resvalou pela neve
volveu-se na noite fleumática.
A pneumonia restabeleceu os mortais, mortalmente vivendo.
Eles existem, mas não vivem.
Eles existem, mas oh...eles não vivem.
E se não ha vida aqui, entre letais
farei alentos noutros ventos
a sudoeste
por ilhas que respiram.
Trilharás comigo? Velejarás sonantemente existindo mas vivendo?
Pois a dissonância ficou em terra
ao norte da metrópole, árctico.
Já agouro pensar, já sondo sentir, prevejo viver.

Catarina Miranda

domingo, 18 de janeiro de 2009


Susan Seddon Boulet, Cancer

Antes de amanheçer

Trovoada ressonante,
sangue flutuante
leva-me para dentro de água
junto das magnéticas ondas do crepúsculo ao teu abraço
e ao teu abraço
me junto em ti sobre cavalos ferozes
correndo freneticamente
balançando à tua canção
azuis às riscas brancas
galopando velozmente calma a noite
e são os nossos corações
aqueles que batem 3/4
compassadas longas, efémeras
uma dança de pigmentos
delirium.
Acidentalmente desaba-se em nós o beijo
disseminando pequenas partículas de ar
aquelas que nos tiram o fôlego
abafando-nos, diluindo-nos em líquido
viçoso cantando aos rodopios
olhando-nos no alto da colina
trancando o sol às montanhas
do outro lado do mundo
para que este não nasça
e me leve de volta para o recomeço dos dias
sem sal
ludibriando-me dos teus olhos.

Catarina Miranda

terça-feira, 13 de janeiro de 2009

Amores Antigo

Reluziram em sol poente
numa noite em pó de uma ampulheta
tranfigurando-me o rosto
aquele que, transcendentemente,
eram vosso encosto.

Desfizeram-me a cama de cetim
e os meus cabelos entrelaçados
deitaram-me no mais fundo dos lençois
e perdida reencontraste-me.

Ah! Eram águas deitadas ao oceano
Jamais as buscarei
Levai-as contigo,
meus amores antigo,
de tanto colectivo
ascendendo a meus pés.


Catarina Miranda

domingo, 11 de janeiro de 2009

Vem de mansinho

Serei a manhã dos teus braços
a flor do canto da tua ternura
seguirei o trilho manso dos teus passos
fazer-me-ei dos teus olhos a paisagem,
sopro duma brisa de emoção!
Utopia do meu coração.

Vem de mansinho
enquanto gira esta loucura imensa de te amar!
De ser rainha do teu sorriso
olhando sempre o incerto paraíso
na esperança de te ver perto de mim.

Catarina Miranda

sexta-feira, 9 de janeiro de 2009

Reencontro

Disseste que te sentias perdido
ajeitei o meu vestido
e fui à procura da tua casa.


Eram vastos os campos de searas que nos rodeavam, Artur, que me seguias pelo meu rasto de desmaios. Saltitavas, cantando as canções da nossa terra, não sabias, mas eu sorria ouvindo-te encantada.
Procurava desesperadamente por uma luz, algo para além do nosso candeeiro a óleo que crescia à medida que o sol se punha.
Não havia Lua nessa noite e a avó Mia não tinha vivido o tempo suficiente para me ter ensinado como encontrar os pontos cardeais nas estrelas. Apenas searas a imensidão e finalmente também eu me senti perdida.
"Sentes-te diferente, Artur?"
"Não, estou o mesmo"
"Acho que sei agora como é estar perdida, querido, há quanto tempo portas esta sensação?"
"Pois...não me lembro"
Há quanto tempo? Seria a única a oferecer-me para te encontrares?
E agora que estava perdida, quem viria para me encontrar?
Quem viria para me fazer encontrar e livrar-me da perda de casa interior.
No fundo do meu íntimo adorei a sensação...e deixei-me ficar, afagando-te os cabelos, reconfortando-te com as palavras doces que atenuavam o medo fictício balançando no céu.
No meio do nosso sono deixei arder o candeeiro, que enlouquecia com o vento desistindo até morrer.
Ao amanhecer renasci, como era possível? Artur, tu e eu perdemo-nos ao lado da nossa casa. Como foi real? ahhh não foi real.
Tu não acordas-te pois não estavas lá, mas no meu sonho, ensinaste-me como estar perdida tão perto do reencontro.
Desta vez acordara mais em casa do que nunca, afinal a minha tentativa de te resgatar foi em vão, todo esse sonho foi em volta do reencontro comigo mesma, pois a tua casa era na minha imaginação.

Catarina Miranda

Branco

Eu não sei bem porque pinto
O que trago só comigo,
Nem atino porque minto
Quando sinto o que não digo!

Quando o branco chove
nas tapeçarias em bulício
e me amansa o olhar
em ecos de uma lírica aventura.

Luz errante que me consome
flor nupcial faminta perfumada
Sou neve transvazando nas tuas mãos
Derretendo em mel, frémito da vida.

Oh e eu nem atino porque minto
Quando sinto o que não digo!

Catarina Miranda

quarta-feira, 7 de janeiro de 2009

Carolie

Querida Carolie,

como tens passado este Inverno?
Aposto que quente, como tudo o que sentes.
O frio não te abala minha Carolie, tanto precisava desse teu dom agora, que os meus pés estão descalços e no meu peito não jaz um cachecol.
Pensei tantas vezes em fugir, que tem sido de vez, embora a estrutura do meu corpo seja frágil e não aguenta os ventos polares...uii pareço uma vela de um navio, branca, como sempre fui. Ainda te lembras da cor da minha pele? "Blanc Lune, Blac Lune" - chamavas-me tu, com a tua voz rouca e esganiçada! ahah mas quente, Carolie, sempre quente a tua essência!
Mais uma vez me esqueci do teu dia de anos...perdoa-me pois eu própria esqueço-me do meu, a minha cabeça de lua (não de vento) carece de fantasia e imaginação que nunca sei distinguir a realidade do que sonho. Tenho vivido entre estes dois mundos, e tenho morrido aos poucos uma vez em cada dimensão.
Espero ansiosamente pela Lua cheia para renascer um pouco mais de novo e talvez nesse dia te possa visualizar na minha mente e transmitir-te entre as tuas quimeras a minha saudade.
Sempre forte, minha Carolie, como as montanhas da nossa cidade. Ainda te lembras do Alvão? "Vien ici, Blanc Lune! Voir toutes ces fleurs" a tua voz ainda ecoa na minha imaginação, as tuas pernas correndo o verde e os teus olhos o azul. Aqueles suspiros de alegria e de concretização emocional rodopiando vale fora ao som de passarinhos e rio. Abraçava-te como uma mãe, Carolie, como uma mãe que nunca tiveste, sinto falta do teu corpo enroscado no meu à procura de protecção e afagava-te os cabelos lisos, negros, leves, quentes, como uma filha que traz consigo a força que eu tive, um dia.
Ainda tens guardado ao teu pescoço a fada do Etéreo? Eu ainda tenho guardado no meu coração a tua face e um pouco da tua alma.

Um beijo, Catherine de Lune

domingo, 4 de janeiro de 2009

Às Vezes

E por mais que eu me drogue de solidão
por mais que eu me esconda no vazio
por mais que eu goze o vácuo
por mais que ecoe
por mais que morra
uma vez de cada vez

eu não me importava, meu bem, de gastar o meu pouco longo tempo contigo,
às vezes, às vezes...

Catarina Miranda

sábado, 3 de janeiro de 2009

"Avant tout, les artistes sont des hommes qui veulent devenir inhumains."

Nocturne

Le ciel nocturne et bas s'éblouit de la ville
Et mon cœur bat d'amour à l'unisson des vies
Qui animent la ville au-dessous des grands cieux
Et l'allument le soir sans étonner nos yeux

Les rues ont ébloui le ciel de leurs lumières
Et l'esprit éternel n'est que par la matière
Et l'amour est humain et ne vit qu'en nos vies
L'amour cet éternel qui meurt inassouvi


Guillaume Apollinaire (1880 - 1918)