terça-feira, 30 de dezembro de 2008

La Reúnion

Chamava-se "La Réunion" e situava-se no centro de Paris. Era um café arrojado, não extravagante e os relógios de publicidade pregados nas paredes fizeram-me relembrar Portugal.
O mau tempo instalava-se na cidade e os locais públicos fechados estavam completamente lotados de pessoas e de guarda-chuvas.
Ao lado de uma janela, com vista para a rua, onde podia ver as gotas a escorrerem devagarinho pelo vidro, encontrava-me sentada numa cadeira que pertencia a uma mesa de mais três, pois assim não me sentia tão sozinha. Ainda tinha a esperança que alguém tivesse a ousadia de se sentar comigo, podia ser uma pessoa qualquer, desde que falasse Francês e que possuísse uma humilde paciência para me deixar testar o que aprendera por estes lados, em termos de sotaque.
Mas ninguém veio e eu continuava à espera do meu café au lait avec Bokeh que não chegava, não chegava e perguntava-me se era por causa de tanta clientela ou seria mesmo o meu destino esperar por ele.
Nesse mesmo instante bate a porta do café pela centésima vez, o sininho que gritava ao fechar despertou-me e dessa vez eu olhei para ver quem entrara, olhei para te ver passar, Apollinaire, oh...aquele casaco amachucado tão verde-escuro ao estilo smoking, comprido, verde? Quem diria, nunca tal vi!
O teu cabelo era cor de corvo e brilhava na escuridão do estabelecimento, reflectindo a luz baça que trespassava das vermelhas cortinas.
Os meus olhos fixantes na tua esbelta figura excêntrica e tu sabia-lo, mesmo não correspondendo o olhar.
Como se o chão fosse um tapete vermelho, dançavas como as estrelas que os teus olhos traziam, não consegui identificar a cor destes.
Eu espero.
Numa mesa para dois, pousas o teu chapéu preto numa cadeira, o casaco e encostas a tua camisa azul na outra. Quase que ouvi os teus ossos consolando-se com um encosto perguntando-me "por onde tens andado sem mim?"
As nossas mesas pairavam frente a frente e fui expiando os teus gestos numa tentativa de procura a todas as minhas questões.
O meu café ainda não chegara, então pousei o meu queixo na palma da minha mão e olhei para ti, como um gato curioso e paciente.
Tiraste o maço de cigarros do bolso da camisa procurando um isqueiro. Como eu adoraria acender esse cigarro, Apollinaire, mas tenho andado na constante luta para deixar de fumar, deixando o vício em casa. Então esperei que pedisses ao garçon aquilo que vieste aqui fazer: matar vícios, um café e um cigarro.
O café não veio, nem o meu, nem o teu, esperámos, eu olhando para a tua boca expirando inteligência e tu de olhos ardentes nas delicadas curvas da empregada do balcão.
Esbocei a tua mão na minha mente. Portas dedos finos e longos, dignos de um artista e o teu pulso pequeno mostrava-me a tua sensibilidade. Como se tivesses olhos nas mãos finalmente olhas-te para mim carecendo de ternura. Finalmente pude contemplar o verde misterioso dos teus olhos, talvez azuis, tinha de me aproximar mais, Apollinaire.
Eu não trazia decotes no peito como a empregada do balcão, então fixaste-me apenas a minha face e suspiraste. Arrepiaste-me.
Poucas vezes fui vítima deste olhar, pois poucos são os olhares que me envolvem sem a sede derretendo. Era mel e luz no teu rosto acariciando ao longe o meu. Não havia a perversidade mas etéreos pensamentos. Como se finalmente tocasses na alma com a mente e com as vibrações saindo da tua luz transcendente.
O teu cigarro continuava a arder e as cinzas caiam na gravidade, atingindo o tampo da mesa quadrada com uma força divina que te despertou e te puxou para o tempo humano, real.
Desviaste os raios que me atingiam e voltaste-te para o teu relógio de pulso.
O teu café não veio.
O meu café não veio.
Esperámos, encontrámo-nos e seguimos caminhos, pois ninguém espera por nós.

Catarina Miranda

segunda-feira, 29 de dezembro de 2008

Alberto

Contradiz-me, Alberto.
Diz-me que o meu nome nunca foi teu.
Que lavaste a cara longe de loucura
e te afogaste em florestas de ternura.
Contradiz-me.
Diz-me que não te deitas-te comigo.
Que não me sentiste transparecer numa almofada vazia,
oh, Alberto esse teu nome oriental cobria-me de exotismos
...tão vermelho e dourados os teus olhos e o meu corpo.
Uniram-se em tons de prata
e numa volta ao mundo se dissiparam.

Catarina Miranda

domingo, 28 de dezembro de 2008

O Mal Carece de Mal

Oh...quando a doença se instala no corpo
e nos amolece as emoções
deixando desperto o pensamento.
O nosso peripécio racional
é um buraco negro
onde o mal carece de mal.

Catarina Miranda

sexta-feira, 26 de dezembro de 2008

Se nos meus longos cabelos
os teus dedos esvoaçassem
num simétrico espaço de tempo
girando em nosso eixo
numa galáxia
seremos estrelas ou planetas
voando de encontro ao sol
que nos eternece de luz.

A íris dos olhos felinos do meu animal
incandesce o verde
em raios de mar
onde as ondas apertam a pele
e sugam a alma, os pedaços de melanina.
Ao entardecer, mantenho os meus filhos em casa
longe
escuridão grávida de luz.

Catarina Miranda

quinta-feira, 25 de dezembro de 2008

Agora

Ainda te lembras do pôr do sol nas rochosas praias da irlanda?
pediste-me que te amasse
Oh mon amour mi corazon!
Não resisti em ouvir a pergunta ao som do teu batimento, então pedi que a fizesses de novo enquanto me abraçavas contra o teu peito.
E assim adoraste a minha vontade: -Ficas comigo?
Oh Goddess!
Aquela flauta vinda de longe soava ainda mais alto acompanhada pelo ritmo das ondas e de ti.
Hiperbolizaste o meu olhar, comparaste o meu riso ao som do mar. Não perguntaste mais nada até ao amanhecer.
E num eufemismo disseste que tinhamos de partir, não percebi porque foste demasiado suave, pensei que ficarias comigo. Nunca me esqueci destas tuas palavras:
- O para sempre não existe, minha querida, confia apenas no presente pois nunca haverá futuro, nunca chegarás lá porque será sempre o amanhã, a hora, o minuto, o segundo que já passou, amamo-nos hoje é o que importa, o agora e mais não existe.
Sorriste, sorrimos. Agora percebo-te mais do que nunca...

Catarina Miranda

(Maio 01 2008)

Ciclos

Beijas-me as faces como se nunca me tivesses conhecido.
Beijas-me os lábios, o queixo, o pescoço...como se nunca o tivesses feito antes.
Adornas o meu peito, refrescas o meu ventre, deslizas pelas minhas pernas finalizadas do seu ritual esotérico...como se nunca o tivesses experimentado.
Abraças-me .
Enroscando as pontas dos teus dedos nas minhas tranças, no meu cabelo...no meu cabelo...
Vibra o ar, o som, despertas vida em mim como nunca antes despertáras.

Mágico, esse teu jeito de ver tudo de novo como se nunca o tivesses visto.
Existem ciclos e contrastes...
Catarina Miranda
(Ago 17 2008)

Out

E como hoje apetece-me simplesmente escrever

Só simplesmente escrever

Desagregar-me

E jogar com as palavras, dizer coisas sem nexo, ligação, conexão, união, junção e juntá-las todas sem autorização, porque eu é que mando aqui!

Arbitro aquilo que me apetece fazer, recorrendo ao prazer pessoal e impessoal.

Hoje é daqueles dias que me apetece passear à chuva, mas já é de noite…e de noite não consigo encontrar conforto no som solitário dos meus passos pela calçada.

Os quatro passos seriam tão agradáveis.

O som do teu cabelo a roçar no vento, o som do teu pestanejar tão lento e ternurento.

O som do teu beijo num canto da minha boca ao despedir.

E agora o som da minha caneta deslizando por árvores desfeitas em amor…



E porque me apetece, vou ouvir o som deste caderno a fechar, e subjazê-lo à minha memória.

Catarina Miranda
(Ago 2 2008)
Como podes convencer-me, Francis, que tudo o que mais desejas é o meu ser?
Com esse olhar cego? Não há calma na tua voz, querido. Como te amei antigamente, com foi teu o sonho de quem sorria. Como era tão minha esta epifania. Tão minha, Francis. Não há françês no teu rosto, as tuas palavras não têm o sotaque de l'amour.
Não vês.
Não vês...
Oh querido Francis!
Eras acordes em harmonias celestiais. Não conheces a tua melodia...se ao menos me tivesses pedido para cantá-la. Oh harmonias, Harmonias, deixando-me cega, como eu não via essa tua agitação agoniada, que me atormentava sem eu dar por isso.
Oh Francis, na minha pintura organicista os espinhos ardem!
E como arderam!
Francis como me desejas? Como me podes convencer agora? O amor para mim não é mais cego para ti.
Catarina Miranda
(Jul 30 2008)

Eco

Rois o ventre do vento balançando ao tempo numa canção.
Balançando ando ando
Como ecoas aqui aqui aqui ali ali i i i
Ricocheteando ando ando para mim im im
Ternura a tua tua oh tua tua.
Deixa-me repetir ir ir ir
És eco, sussurra-me o cheiro do eco.
És som do vento balançando ao tempo numa canção.

E num beijo
Te encontro num beijo
Simulo
Simulamos
Num sussurro de um eco.

Catarina Miranda
(Jul 28 2008)

Magistrais

Arderam-se papéis hoje.
Ardeu-se tudo na lareira
Tudo…
E aquele cheiro de Natal
O doce aroma do convívio
…de melancolia também,
corrupiou-me,
Propagou-me.
Tingiu-me de muitas cores
Oh não te sei dizer quais
Mas sei dizer-te como ardeu o sabor na minha boca.
Néctar harmónico, magistral.

Lembrei-me de ti.

Lembrei-me desse teu jeito de me recordares de muitas coisas
De me recordares de ti,
Salpicando em água fervente,
Lembras-me de todos os sentidos inexplicáveis.

Mas, sim, magistrais.
Catarina Miranda
(Jul 28 2008)

Detritos

Detrição.
Atritos de nós.
Deturpação.
Detritos detraentes.
Deus, devassa a nossa diadema,
diaforse em nós, diante de ti.
Numa diástole diatónica.
Nós somos dígamos
diluídos num dilúvio,
deixando dipétalos em todas as direcções dirimidas.
E numa disforcia dobram-se duzentas drupas descosoladas e desconectadas.
Detritos de nós.
Atritos detraentes.

Catarina Miranda
(Jul 12 2008)

Summer Rain, Rain

Batem, como sem intenção, as gotas à minha janela.
Quentes, a fervilhar, como a estação onde aconteci nascer.
E as flores: ...moles...tão cansadas de tudo
do mundo, de mim, de ti...
jazem na terra que num dia lhes pertenceu.
O vento uiva como nunca deveria.
Não hoje,
não agora,
não é suposto.
Agora compreendo que nada será mais suposto a acontecer.
A imprevisibilidade é, de facto, a realidade incrivelmente presente aos olhos do mais pequeno ser germinante.
O Sol continua a viver, mesmo po detrás de todas estas nuvens carregadas do nosso ego, da nossa fruta. Podre.
No entanto mantém-se a designação de Verão à Natureza em questão. A chuva, o vento, o sufoco, a morte.
Catarina Miranda
(Jul 12 2008)

Os opostos não se atraem

Talvez o silêncio seja a vida
talvez a agitação seja a morte.
Dois opostos darão sempre contradições.
Eu acho que os opostos não se atraem,
acho que se chocam demasiado
tentam unir-se demasiado
e a força do magnetismo....oh...

O meu oposto diria que um Dó é um Ré
o meu oposto diria que pinto de uma cor só.
Ele não me vê...ah...ele não é manso comigo
ele choca contra mim.
despedaça-me
não vejo silêncio nele.
o meu silêncio...se gosto de ficar inerte,
porquê gritar?

O meu igual transcende comigo
o meu igual corre pelas minhas telas de variadas cores.
ele sussurra-me baixinho...
e numa pequenina palavra diz tudo
ele não precisa de me mostrar o mundo
de o percorrer para dizer que me ama.

E no nosso escuro embala-me num pequeno abraço
que promete um amanhã
um nosso espaço
a nossa galáxia privada...
mesmo por cima da nossa pequena cama...

oh...o meu desigual diria que sou extremamente insana.

Catarina Miranda

(Jul 11 2008)

Velocidade

Óscula-me
Por entre a velocidade fantasmagórica da noite.

vento...
óscula-me num sopro de uma borboleta
afaga-me os cabelos
fixa em mim o teu olhar incandescente
num arrombamento à mente, transparece-te.

Deixa-te invisível por ritmos de segundos
incorpora-te nos meus braços.

biliões de fotões ao libertar, finalmente e felizmente.
num remoinho de tempo onde as horas não são mais que fantasmas abalados

Bateres de coração
não somos mais do que ritmos cardíacos
pelo menos hoje
no meio da velocidade fantasmagórica da noite.

Catarina Miranda

(Jul 11 2008)

Um início num começo

O intelecto surpreende-se com o óbvio
e deleita-se com a passagem do tempo.

O fumo do cigarro, a inteligência expirada de encontro à atmosfera,
pela boca, pelo nariz, pelos olhos. De quem vive e de quem sente.