terça-feira, 24 de março de 2009

Dona Idalina



A típica idosa transmontana usa o cabelo branco num polpo e as vestes de luto em memória do seu falecido esposo. Não é de certo uma bênção perdurar em terra mais anos que o seu homem, é uma dor quase pré-histórica e ancestral.
Vem das cavernas, do mar, das guerras, da morte. A dor de quem espera. E consegue-se ver nos olhos da Dona Idalina, azuis profundo céu, com mais memórias do que as águas podem transportar, pois transbordam, que observei-a olhando para atrás de rosto no tecto da casa, contando-me as saudades, lamentando-se de como é atroz a solidão. Se pelo menos a dona Idalina soube-se voar...ali tão perto da senhora paisagem duriense, aqueles vales marítimos, as camas do rio. Ah...mas não.
Ao Sol pude contemplar as suas loiras pestanas, não me contendo perguntei se outrora tinha sido russa, "oh sim! eu e os meus 6 irmãos éramos todos russinhos, de cabelos crespos e riços" as suas bochechas saltitaram, tão vivas de sorriso, que presenciei, não uma idosa de 84 anos, mas sim uma criança aprisionada dentro de um corpo miúdo, corcovado, mais pequeno do que o seu espírito e maior do que a sua infância. Ah se a Dona Idalina soubesse voar...
O seu tom de voz era a todo o tempo depreciativo, terminava na nota abaixo da do começo, como um lamurio, ou talvez um choro, enternecendo qualquer ser sensível na vontade de a fazer ver o mundo mais de perto, reconfortar as suas mágoas naquele horizonte, despir-lhe as vestes negras, soltar-lhe o cabelo, o sorriso, e ver aqueles olhos cheios de amor para dar explodindo no céu.

Ah...se a dona Idalina souber voar.

4 comentários:

  1. com mais memórias do que as águas podem transportar

    gostei desta passagem.

    ah.. se a dona Idalina soubesse voar, ia dar um beijinho cheio de saudade ao seu falecido esposo, e regressava para viver o resto da vida sempre com um sorriso no rosto :')

    beijinho *

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  2. Também eu conheço uma "dona Idalina"... e diz-me, conseguiste contemplar a sua força, virtude que lhe dá rosto? E sua bondade, não é genuína?
    O meu pai costuma dizer que "mulheres dessas já não se fazem" e eu concordo com ele.
    Por vezes pensamos que elas estão presas, mas, na verdade, são mais livre do que pensamos!
    E mesmo quando choram a morte de quem lhe era amor, fazem-no demonstrando tanta fé...

    "Ah se a Dona Idalina soubesse voar..."

    Se ela soubesse voar, trazer-nos-ia uma pedaço do céu.

    Beijinho :)

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