quinta-feira, 26 de fevereiro de 2009

Tempo

Contou-me um dia um ser
que a vida não é longa
nem tão pouco curta,
é rio e fonte,
intemporais flúmens
onde o teu corpo se banha
quando o teu espírito desperta.

O tempo, disse o ser,
o tempo é intempo,
ele não corre consoante o teu compasso.
Tempo é um Deus que tu, mortal, vais criando
e adaptando às leis que ele em ti grita.
Mas há o coração e afinidades imensas,
pois ele é o quadrado de uma maquineta a pilhas do mundo
e tu circulo pensante, emocional e errante.

Pode algum dia o Homem desinçar um dos seus filhos,
que aos seus olhos é perdição, morrendo com ele?

Catarina Miranda

terça-feira, 24 de fevereiro de 2009

Lua Nova,
enchente em mim inova.
Negrume,
fácil é a vida que dali morre;

e aflui;

Astenia que de mim ri,
Cansaço, e hidropisia
vem, e abate
parte, e ele renasce.

Ah devagarinho...espreitando-me,
nasce brotando luz,
pois eu emerjo do fundo do oceano,
à película ardente,
ondulando freneticamente
aos coriscos, meu rei-sol.

Catarina Miranda

segunda-feira, 16 de fevereiro de 2009

75º à esquerda

Ao desviar da catadura
mexem-se os gomos de luz
em direcção do índigo
75º à direita
o que me leva à esquerda
na minha profunda dislexia.

Vejo-te,
idílios florescentes
saltam asas no vulcão
rompem-se atonias em valentes alardagens.
Mas em tua direcção há silêncio
como um raio trespassando a horda
túnel imenso na nossa directriz
que ao centro é flama.
Lá fora brandam aos deuses
os desassossegados desassossegando o nosso olhar,
numa gradação descendente sem sina,
mas não o coração.

Catarina Miranda

quinta-feira, 12 de fevereiro de 2009



Parcialmente imune
Parece-me que vivo há séculos
Num castro debaixo de girassóis.

Ao sótão uma ventana, frincha de luz
que me fecha os olhos ao milagre de prazer.
E só eu a conheço, só eu a conheço.

Lá em baixo gemem os meus trapos
ao gigante homem púrpura raivoso
esmaga, monocromatiza, dilapida as cores que tento plantar.
E a criança que em mim habita compreende
que de água-pranto somos feitas
e a flama que em baixo povoa
nem a extingue nem a aquieta,
então balançamos entre o viridário e o abismo
Entre a frecha e a cave.
Água e Fogo.

Ouço os seus passos pesados durante a noite
não há calma debaixo do vergel
E quando a lua não reina a fenda
a sombra deplora-se em meus braços.
Ele não chora, oh ele não chora.
E só eu o conheço.

(Shhh, dorme que eu respiro, pequena.
Delicado e leviano é o teu corpo
que repousa serenamente debaixo do empíreo,
sei que sabes o que te espera,
o oráculo que em arco-íris brota do teu pensamento.
És espelho sendo água
e nada podes esperar de um fauno em chamas.
Mas os teus pés são vento
e o teu peito um escudo bélico.
Sobrevives dentro do lar que dentro criaste
e o amor, esse, é o que preenche quem de leve entrar.
Lá fora, reina a friagem e os calafrios da viajem
pois ninguém entra, ninguém entra.)

Catarina Miranda

domingo, 8 de fevereiro de 2009

Existindo vivendo

Lembro-me das vagas de frio, das cinzentas acastanhadas no teu rosto, aquele aperto no teu peito, aquele desaperto que em leito
pendeu
resvalou pela neve
volveu-se na noite fleumática.
A pneumonia restabeleceu os mortais, mortalmente vivendo.
Eles existem, mas não vivem.
Eles existem, mas oh...eles não vivem.
E se não ha vida aqui, entre letais
farei alentos noutros ventos
a sudoeste
por ilhas que respiram.
Trilharás comigo? Velejarás sonantemente existindo mas vivendo?
Pois a dissonância ficou em terra
ao norte da metrópole, árctico.
Já agouro pensar, já sondo sentir, prevejo viver.

Catarina Miranda